DISPONÍVEL GRAVAÇÃO WEBINAR “VULNERABILIDADE DO RECURSO ÁGUA EM EVENTOS EXTREMOS”

28/12/2020

O evento promovido pela Comissão Especializada de Adaptação às Alterações Climáticas (CEAAC) da APDA pretendeu sensibilizar a comunidade para a temática, bem como apresentar três projetos e partilhar práticas de Entidades Gestoras. Para assistir à sessão gravada clique na imagem abaixo.

O webinar foi moderado por Rui Teixeira, membro da CEAAC e Chefe da Divisão de Águas e Saneamento na Câmara Municipal do Barreiro, tendo contado com as participações de Luís Dias, Investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, João Pedro Nunes, Investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e da Universidade de Wageningen (Holanda), Pedro Coelho, Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Algarve, e Ana Vanessa Martins, Supervisora na Direção de Gestão de Ativos da EPAL.

Sendo as alterações climáticas um dos maiores desafios do setor da água nas próximas décadas, Rui Teixeira sublinhou que este deve ser antecipado pelas Entidades Gestoras. Ao fazer um enquadramento da CEAAC e de como surgiu na APDA tendo em conta a lacuna existente no setor relativamente à temática, Rui Teixeira explica que esta Comissão Especializada pauta por ter uma representatividade a nível nacional, de forma a incorporar as especificidades de cada região do território, atuando no campo da sensibilização, apresentando factos e produzindo pareceres. Rui Teixeira destacou também o networking com outras associações congéneres, como a AGWA (Aliance for Global Water Adaptation), bem como a parceria num projeto europeu, que já arrancou na Universidade de Newscastle (EUA) através da Dra. Selma Guerreiro. É objetivo desta investigação estudar os eventos compostos, como secas e ondas de calor, e disponibilizar às Entidades Gestoras informações e ferramentas que lhes facilitem o processo de adaptação aos efeitos das alterações climáticas.

Luís Dias apresentou o Roteiro Nacional de Adaptação 2100, um projeto em curso (setembro 2020 - dezembro 2023) financiado pela APA - Agência Portuguesa do Ambiente, EEA Grants e Ministério do Ambiente e Alterações Climáticas. O projeto visa sistematizar e atualizar conhecimentos sobre vulnerabilidades climáticas em diferentes cenários de aumento de temperatura global e integrar exercício com expressão territorial, ou seja, toda a informação produzida tem de ser cartografada. Também prevê definir metodologias e critérios para a integração de vulnerabilidades às alterações climáticas e impactos futuros no planeamento setorial, incluindo custos de ação e de inação, ou seja de adaptação ou não adaptação. Luís Dias caracterizou as abordagens de mitigação e adaptação, em que a primeira remete para a capacidade humana em reduzir as fontes ou aumentar os sumidouros de gases com efeitos de estufa, exigindo um esforço a nível mundial, e a segunda é baseada num processo de ajustamento ao clima atual ou projetado, bem como aos impactos que daí decorrem, concretizado mais a nível local (em cada país/região). Estão a ser estudados três cenários de emissões, entre os quais o mais grave, o intermédio e o moderado (refletido no Acordo de Paris). Relativamente ao setor da agricultura está contemplada a modelação das disponibilidades de água, a projeção da procura dos recursos hídricos e de produtividade, bem como a modelação de medidas de adaptação para equilibrar a oferta e a procura, minimizando as perdas de produtividade. Este exercício tem dois grandes desafios: o facto de as necessidades estarem dependentes da população e dos usos do solo, bem como a produtividade estar dependente das culturas, da irrigação e das condições climáticas, entre outras. É através dos cenários socioeconómicos e de uso do solo que se pretende responder às situações referidas. Luís Dias referiu que, de acordo com o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) das Nações Unidas, estão contemplados cinco cenários socioeconómicos (SSP - Shared Socioeconomic Pathways): SSP1 - Sustentabilidade; SSP2 - Meio Termo; SSP3 - Rivalidade Regional; SSP4 - Desigualdade; e SSP5 - Combustíveis Fósseis. Durante a apresentação dos mesmos, o quórum da sessão respondeu a um inquérito interativo com o intuito de recolher a opinião sobre qual a tendência de evolução dos SSP a nível nacional e mundial.

João Pedro Nunes explanou o Projeto FRISCO - A Gestão de riscos de contaminação da qualidade da água induzidos pelos fogos florestais. Partindo da base de que parte significativa dos recursos hídricos é captada em bacias hidrográficas florestais e que estas são vulneráveis a fogos recorrentes, o projeto visa quantificar o risco e avaliar medidas de mitigação para, posteriormente, apoiar as Entidades Gestoras face a um incêndio na sua área de atuação. Para além de perturbarem a vegetação, com redução do coberto e alteração dos solos, os fogos florestais produzem uma camada de cinza altamente móvel e perante precipitação intensa, as cinzas e os sedimentos são facilmente mobilizados (os solos estão mais expostos à geração de escorrência e as áreas ardidas estão mais ligadas às massas de água), o que pode conduzir à contaminação das massas de água através da turbidez de cinzas e sedimentos. A janela de perturbação nas massas de água é de aproximadamente dois anos e a recuperação de cinco anos. Mas o quadro não é linear já que existem diferentes sensibilidades a considerar quanto às massas de água - linhas de água mais sensíveis a picos de concentração elevada (baixa diluição) e albufeiras mais vulneráveis a deposição de contaminantes com libertação prolongada. Também os alvos de contaminação - infraestruturas de abastecimento, diferentes capacidades de tratamento, ecossistemas aquáticos, aquaculturas - pelas diferentes características que apresentam podem ter impactos distintos, incluindo à mesma situação de incêndio. João Pedro Nunes especificou que para entender e limitar os riscos dos incêndios foi criada uma estrutura com entidades dos Estados Unidos da América, Canadá e Austrália, tendo inclusive esta última publicado um guia de boas práticas operacionais, para a gestão de bacias hidrográficas afetadas pelo fogo, baseadas no esquema de se olhar para a origem e características dos fogos e também para os processos hidrológicos e erosivos que acontecem nas zonas ardidas. Foi nesta sequência apresentada a estrutura do Projeto Frisco, criado por resultado direto dos fogos de Pedrógão, em 2017, e com base nos efeitos observados na qualidade da água. Os fogos levaram à realização de um workshop com investigadores de várias nacionalidades, em Lisboa, para discutir o tema e a estrutura em causa de análise de risco, tendo sido também convidadas algumas Entidades Gestoras. Foi então formado um consórcio para tentar delinear uma metodologia que pudesse ser aplicada em Portugal, assentado a abordagem FRISCO em três pontos: mapear a severidade de incêndios, através de imagens satélite; mapear os caminhos de exportação de contaminantes, através de indicadores topográficos; e ligar os fogos à contaminação da água, através da análise estatística de dados históricos. O objetivo é criar um índice de risco de contaminação após os incêndios, que se possa traduzir numa ferramenta operacional de avaliação de risco após incêndio, e produzir um manual de medidas de mitigação de risco com custos e benefícios. Este documento vai contemplar uma análise comparativa custo-eficácia de várias medidas de mitigação possíveis - gestão da bacia antes do fogo, gestão florestal e gestão da bacia depois do fogo.

A apresentação de Pedro Coelho debruçou-se sobre os trabalhos que têm sido feitos no âmbito do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve. Começou por um enquadramento onde elucidou que os valores de precipitação nas últimas duas décadas registaram uma quebra de 20 a 30%, sendo que os últimos dois anos hidrológicos foram de seca intensa. Foi perante este cenário que surgiu um Grupo de Trabalho para elaborar o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, que contou com a participação de vários atores do setor, entre os quais Entidades Gestoras "em alta" e "em baixa", estando, neste âmbito, já dois documentos de trabalho disponíveis no website da APA. O referido plano avalia as disponibilidades e os consumos hídricos atuais no barlavento e no sotavento algarvio, com estabelecimento de cenários prospetivos que têm em conta os efeitos das alterações climáticas, bem como estabelecer metas e horizontes temporais de eficiência hídrica para os principais usos, nomeadamente os associados aos setores agrícola - onde o regadio privado assume um peso muito significativo -, turístico e urbano. Na avaliação das disponibilidades hídricas, é significativo o reflexo da baixa pluviosidade e, apesar das chuvas recentes, a situação ainda é crítica em termos de armazenamento. Entretanto, e apesar de existirem barragens com um cenário negativo, Pedro Coelho sublinha que os valores estão atualmente mais simpáticos. A eficiência hídrica foi um tema central neste trabalho, designadamente para a definição de medidas, bem como a questão das perdas aparentes, um ponto onde as Entidades Gestoras devem melhorar o desempenho, contribuindo para uma diminuição da captação nos meios urbanos. O Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve apresenta 53 medidas, a curto e médio prazo, com um investimento de 250 milhões de euros, visando a poupança de 33 hectómetros cúbicos de água por ano. São 13 medidas para o setor urbano, 22 para a agricultura, 4 para o turismo, 14 a nível administrativo e de gestão e 4 a nível infraestrutural. Aqui Pedro Coelho assinalou as medidas mais urgentes que estão em curso, destacando também as relativas a setor urbano, como a introdução de ZMC (Zonas de Medição e Controlo), uma das principais a disseminar pela região, bem como a melhoria de infraestruturas e tecnologias de gestão de rega em espaços verdes, como por exemplo aumentar a rega dos campos de golpe com água reutilizável. Pedro Coelho concluiu ao destacar que a eficiência tem de estar incorporada e presente na gestão da água e que o caminho para a adaptação às alterações climáticas tem de ser acelerado.

Ana Vanessa Martins, Supervisora na Direção de Gestão de Ativos, EPAL explanou as estratégias de adaptação a curto, médio e longo prazo da EPAL e AdVT - Águas do Vale do Tejo, visando o planeamento e a implementação das medidas que permitam a redução das vulnerabilidades dos sistemas aos efeitos das alterações climáticas. Após a apresentação das áreas de intervenção de ambas as empresas, frisando que têm realidades muito distintas, Ana Vanessa Martins explicou um dos planos de adaptação às alterações climáticas da EPAL - o ADAPTACLIMA 2010/1013. Coordenado por um investigador da Faculdade de Ciência e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, este estudo multidisciplinar incluiu várias equipas de investigação de outras universidades, recaindo sobre a bacia hidrográfica do Tejo, onde foram realizados cenários climáticos regionalizados e cenários socioeconómicos regionalizados. Nesse âmbito, foram avaliados os impactos nas origens de água superficiais e subterrâneas da EPAL, a subida do nível do mar e a intrusão salina. Com base no 4.º Relatório do IPCC, o ADAPTACLIMA envolveu, numa última fase, os quadros da EPAL para criar prazos e definir prioridades assentes em seis pontos: alterar a oferta da água, alterar a procura da água, reforçar processos e competências internas, alterar as relações institucionais com outros agentes, garantir qualidade da água, garantir a proteção de captações e infraestruturas. No projeto foram também definidos indicadores de alterações climáticas a serem monitorizados trimestralmente. Já na AdVT, foi referenciado o PEAAC 2017 - o Plano Estratégico de Adaptação às Alterações Climáticas, direcionado para as regiões do Alentejo, Beiras e Oeste. Para este projeto foi criada uma equipa que integrou as direções da gestão de ativos, de operações e de laboratório, bem como uma equipa regional que juntou as direções de operação, manutenção e engenharia. No caso apresentado, relativo ao Alentejo,  foram avaliados 10 sistemas de abastecimento, sendo que, para cada um dos sistemas, foram estudadas vulnerabilidades climáticas e não climáticas atuais com base em três componentes: quantidade de água, qualidade de água e integridade das infraestruturas, tendo sido colocados graus de vulnerabilidade. Também se identificou o tipo de medidas a implementar a curto e médio e longo prazo, como reabilitação das infraestruturas, redução de perdas, redução de afluências relativa aos sistemas de saneamento, proteção de infraestruturas, articulação institucional, interligação de sistemas e criação de novas origens. Ana Vanessa Martins sublinhou que a grande diferença entre o ADAPTACLIMA e o PEAAC é que no primeiro conseguiu-se avaliar vulnerabilidades futuras e no segundo apenas estudadas as presentes à data.

Entretanto, Rui Godinho, Presidente da APDA, encerrou a sessão agradecendo a partilha de experiências na estratégia da adaptação às alterações climáticas, sublinhando que, apesar de ainda não terem sido dados todos os passos necessários, alguns dos já concebidos foram significativos. Rui Godinho referenciou ainda a importância do cumprimento do Acordo de Paris (que visa alcançar a descarbonização das economias mundiais e travar o aumento da temperatura média global), bem como a pertinência do Relatório Stern (um estudo sobre os efeitos na economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos, coordenado pelo economista britânico Nicholas Stern).