O PNEC 2030 e a Nova Diretiva das Águas Residuais Urbanas
Terminado o Encontro
“Nova Diretiva das Águas Residuais Urbanas - Os desafios para a minha Entidade Gestora”, organizado pela Comissão Especializada de Águas Residuais da APDA, e que decorreu em Santarém, no passado dia 29 de novembro, a sua importância e, em particular, os seus potenciais impactos, justificam que se volte ao tema.
As emissões diretas e difusas do tratamento de águas residuais são categorizadas em três áreas principais: emissões em ETAR, emissões de processos de digestão anaeróbia de lamas e emissões associadas às descargas no meio hídrico. Os processos biológicos que sustentam o tratamento de águas residuais são a principal fonte de emissão de gases com efeito de estufa (GEE), sejam o dióxido de carbono (CO₂), o metano (CH₄) e o óxido nitroso (N₂O). Estes gases são emitidos predominantemente na interface ar/água, em taxas altamente variáveis que dependem de fatores como temperatura, pH, carga orgânica e condições operacionais da ETAR.
A recente revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) refere-se ao setor dos resíduos e das águas residuais como um setor com caraterísticas muito especiais e em que as políticas e medidas públicas constituem um papel determinante, e que apresentam uma expressão relativa no cômputo geral das emissões, nomeadamente pelas emissões associadas à deposição de resíduos em aterros e ao tratamento de águas residuais urbanas e que “
em 2020 representaram em conjunto mais de 95% das emissões do setor, respetivamente, 73% e 23%”.
As águas residuais têm um peso significativo nas emissões provenientes das ETAR e dos processos relacionados, que será incrementado com o facto de a obrigatoriedade de tratamento secundário/terciário, prevista para a generalidade dos sistemas de média e grande dimensão, tenderá a aumentar as emissões de GEE, se a operação dos processos de tratamento não estiver otimizada. O mesmo acontecerá com os tratamentos quaternários, numa dimensão ainda desconhecida.
Tal como se refere no PNEC 2030, trata-se de um exemplo em que “
as políticas ambientais relativas à qualidade das águas, podem, em teoria, entrar em conflito com as políticas de redução de emissões de GEE”, mesmo considerando que podem ser em parte compensadas pela “
produção e utilização de águas para reutilização (ApR), a partir de águas residuais urbanas tratadas para rega, para além do potencial de redução dos consumos de água num ambiente de crescente escassez, acaba por mostrar igualmente potencial em termos de redução das emissões de GEE, evitando as emissões indiretas por descargas nos meios hídricos naturais”.
No PNEC 2030 estima-se que, no tratamento de águas residuais, “
a variação no período 2005-2020 terá sido praticamente insignificante, ilustrando dois movimentos de sentido contrário em termos de emissões de GEE”, e que no futuro se espera um esforço de redução de emissões em resultado de um “
aumento da acessibilidade física aos sistemas de saneamento público, por via dos investimentos previstos para o alargamento da abrangência das redes e do aumento da adesão ao serviço de saneamento de águas residuais por rede fixa”.
A redução na utilização de sistemas individuais irá induzir uma melhoria da qualidade dos recursos hídricos e, por consequência, uma contenção das emissões de GEE. O PNEC 2030 refere ainda que “
a médio prazo (pós-2030), a consideração de sistemas de controlo das emissões de N2O em sistemas aeróbios, a par da utilização de métodos mais fiáveis de monitorização das respetivas emissões, poderá ser uma via para a redução adicional de emissões”.
No que respeita ao tratamento das lamas, o esforço previsto de investimento em infraestruturas de digestão anaeróbia com recuperação de biogás e respetivo aproveitamento energético terá um efeito relativamente positivo em termos de emissões de GEE.
A revisão recente do PNEC 2030 aponta, ao nível setorial, para um aumento das exigências por via da fixação de metas nacionais para o horizonte 2030 mais apertadas, conforme se dispõe na tabela seguinte.
Metas nacionais setoriais de redução de emissões de CO2eq face a 2005
Setores de atividade |
2020 |
2030 |
2040 |
Resíduos e Águas residuais |
-14% |
-30% |
-50% |
Este processo tem carga e conflitualidade potencial para que todos percebamos que é estreito e ténue o fosso entre o êxito e o desastre. E uma das formas de controlar a sua implementação prende-se com uma transposição para a ordem jurídica nacional em alinhamento com as entidades gestoras do setor. Qualquer processo que decorra sem ter em consideração as contribuições dos seus agentes, conduzirá o setor por caminhos complexos, de difícil controlo e de resultados ainda mais imprevisíveis.
Espera-se que outros exemplos, alguns recentes, tenham servido de guia para o desenvolvimento de um procedimento justo, equilibrado, exigente, mas temporalmente exequível.
É mesmo isso que o setor deseja. Fazer parte das soluções.
José Martins Soares
Presidente do Conselho Diretivo da APDA